O que são as “Dores de Crescimento”?
O conceito central é que as dores de crescimento são um diagnóstico de exclusão. Isso significa que o termo só deve ser aplicado após a certeza de que não há nenhuma outra condição patológica causando os sintomas. O principal desafio para pais e médicos é diferenciar essa condição benigna, que geralmente se resolve em um ou dois anos, de problemas mais sérios que exigem investigação e tratamento.
A definição mais aceita e segura para “dores de crescimento” restringe-se a crianças que apresentam dor que as acorda durante a noite ou após cochilos, mas que, fora desses episódios, são completamente saudáveis e não apresentam qualquer outro sintoma ou problema musculoesquelético. Dores que ocorrem durante o dia, associadas à atividade física ou que causam mancar, merecem uma investigação mais aprofundada e não se enquadram na definição típica.
Epidemiologia: Quão Comuns São?
As dores de crescimento são uma queixa pediátrica bastante comum, afetando tipicamente crianças na faixa etária de 2 a 12 anos. A prevalência exata varia amplamente nos estudos, de 4% a 37%, dependendo da população analisada, da idade das crianças e, crucialmente, da definição clínica utilizada para o diagnóstico. No entanto, pesquisas em larga escala com crianças em idade escolar sugerem que entre 10% e 20% delas já experimentaram episódios consistentes com dores de crescimento.
Embora afetem ambos os sexos, há uma leve predominância no sexo feminino. A natureza benigna e a alta prevalência tornam essa condição uma das principais causas de preocupação parental relacionadas a dores musculoesqueléticas na infância, levando a muitas consultas pediátricas.
Causas e Etiologia: Por que Acontecem?
A causa exata das dores de crescimento permanece desconhecida. O que se sabe com certeza é que o nome é enganoso: as dores não coincidem com os períodos de crescimento acelerado (estirões), não ocorrem nas placas de crescimento dos ossos e não afetam o desenvolvimento físico da criança. Várias teorias foram propostas para explicar o fenômeno:
- Fadiga Muscular e Uso Excessivo: Esta é uma das teorias mais aceitas. Muitos pais relatam que os episódios de dor ocorrem com mais frequência após dias de atividade física intensa, como correr, pular ou praticar esportes. Um estudo que utilizou ultrassonografia quantitativa para medir a “velocidade do som” nos ossos (um indicador de densidade e estresse) encontrou valores diminuídos em crianças com dores de crescimento, semelhantes aos observados em atletas com síndromes de uso excessivo. Isso sugere que a musculatura, ainda em desenvolvimento, pode estar mais suscetível à fadiga e a microlesões após o esforço.
- Limiar de Dor Reduzido: Estudos populacionais mostram uma forte associação entre dores de crescimento e outras dores recorrentes, como dores de cabeça e dores abdominais. Uma pesquisa demonstrou que crianças com dores de crescimento têm um limiar de dor mais baixo em comparação com crianças sem a condição. Isso sugere que elas podem ser mais sensíveis a estímulos que outras crianças não perceberiam como dolorosos.
- Fatores Anatômicos e Posturais: Anormalidades posturais leves, como pés chatos ou frouxidão ligamentar (“juntas soltas”), foram propostas como possíveis fatores contribuintes, embora não haja evidências consistentes para comprovar essa ligação.
- Síndrome das Pernas Inquietas: Em crianças mais velhas, a descrição da dor como uma “sensação de rastejamento” ou uma necessidade de mover as pernas tem semelhanças com a síndrome das pernas inquietas, sugerindo um possível mecanismo neurológico sobreposto em alguns casos.
- Fatores Psicológicos: Embora distúrbios emocionais tenham sido mencionados historicamente, não há estudos sistemáticos que comprovem uma causa psicogênica. No entanto, o estresse pode exacerbar a percepção da dor em qualquer indivíduo.
Manifestações Clínicas: Como Identificar?
Apesar da falta de uma definição única, as dores de crescimento apresentam um padrão clínico bastante consistente, que ajuda os médicos a diferenciá-las de outras condições. As características mais comuns incluem:
- Localização da Dor: A dor é quase sempre nas pernas, tipicamente bilateral. As áreas mais afetadas são a parte da frente das coxas, as panturrilhas ou a região atrás dos joelhos. A dor é profunda, muscular, e não articular (a criança não aponta para uma articulação específica). Dor nos braços pode ocorrer, mas quase nunca de forma isolada, geralmente acompanhando a dor nas pernas.
- Padrão Temporal: A dor ocorre caracteristicamente no final da tarde ou à noite, muitas vezes acordando a criança do sono. É raro que a dor esteja presente pela manhã; a criança acorda sentindo-se perfeitamente bem.
- Natureza da Dor: A dor é intermitente e paroxística. A criança pode ter episódios por várias noites seguidas e depois passar dias, semanas ou até meses sem nenhuma queixa. A intensidade pode ser forte o suficiente para fazer a criança chorar.
- Fatores de Melhora: A dor geralmente melhora com medidas de conforto, como massagem, aplicação de calor (bolsas de água morna) e analgésicos simples como paracetamol ou ibuprofeno.
- Exame Físico Normal: Durante e após os episódios de dor, o exame físico da criança é completamente normal. Não há inchaço, vermelhidão, calor, sensibilidade ao toque ou limitação de movimento nas áreas doloridas.
- Atividade Normal: A dor não interfere nas atividades diárias da criança. Ela corre, brinca e participa de esportes normalmente durante o dia.
- Sintomas Associados: Cerca de um terço das crianças com dores de crescimento também relata episódios de dor de cabeça ou dor abdominal recorrente.
Característica | Dores de Crescimento (Padrão Típico) | Sinais de Alerta (Requer Avaliação Médica) |
---|---|---|
Localização | Bilateral (ambas as pernas), profunda, nos músculos (coxas, panturrilhas). | Unilateral (apenas uma perna), persistente, localizada em uma articulação específica. |
Padrão Temporal | Final da tarde ou noite; desaparece pela manhã. | Dor que persiste durante o dia, piora com o tempo ou é constante. |
Atividade Física | A criança brinca e corre normalmente durante o dia. | A criança manca (claudicação), evita apoiar o peso na perna ou limita suas atividades. |
Exame Físico | Sem alterações. A perna parece normal. | Presença de inchaço (edema), vermelhidão, calor, sensibilidade ao toque ou diminuição do movimento. |
Sintomas Sistêmicos | Ausentes. A criança parece saudável. | Presença de febre, perda de peso, palidez, cansaço excessivo, perda de apetite ou surgimento de hematomas. |
Diagnóstico: Como os Médicos Confirmam?
O diagnóstico de dores de crescimento é eminentemente clínico. Isso significa que ele é baseado na história detalhada contada pelos pais e na ausência de achados anormais no exame físico. Quando a apresentação é típica, não são necessários exames de laboratório ou de imagem para confirmar o diagnóstico. O papel do médico é, principalmente, excluir outras causas mais graves de dor.
Os critérios geralmente aceitos para o diagnóstico clínico incluem:
- Dor que ocorre tipicamente no final do dia ou que desperta a criança à noite.
- Episódios de dor que são intermitentes, com períodos sem sintomas de pelo menos alguns dias.
- A dor deve ocorrer pelo menos uma vez por mês, por um período mínimo de três meses.
- A dor não é localizada especificamente nas articulações.
- O exame físico realizado pelo médico é completamente normal.
- Quaisquer exames complementares, se realizados, são normais.
A confiança do médico no diagnóstico é crucial. Em casos típicos, a principal ferramenta é a tranquilização dos pais, explicando a natureza benigna da condição. A realização de exames desnecessários pode, paradoxalmente, aumentar a ansiedade familiar.
Diagnóstico Diferencial: Excluindo Outras Condições
A lista de outras possíveis causas de dor intermitente nos membros inferiores em crianças é extensa. A principal tarefa do pediatra é diferenciar as dores de crescimento de condições que requerem tratamento específico. As mais importantes a serem consideradas são:
- Tumores: Tumores ósseos (como osteoma osteoide ou sarcoma de Ewing) e leucemia são as preocupações mais sérias. A dor tumoral também pode ser pior à noite, mas geralmente é unilateral, progressiva (aumenta em intensidade e frequência com o tempo) e pode haver sensibilidade ou um caroço palpável no osso. Na leucemia, é comum a presença de sintomas sistêmicos como febre, palidez, perda de peso e linfonodos aumentados.
- Trauma e Lesões por Esforço: Fraturas de estresse ou síndromes de uso excessivo podem causar dor, mas geralmente estão relacionadas a uma atividade específica e a dor piora com o esforço, além de haver sensibilidade localizada no exame.
- Infecções: Osteomielite (infecção óssea) ou artrite séptica (infecção da articulação) causam dor intensa, constante e localizada, acompanhada de febre, inchaço e incapacidade de mover o membro.
- Doenças Reumatológicas: A artrite idiopática juvenil e outras espondiloartropatias podem causar dor noturna, mas estão associadas a inchaço articular, rigidez matinal prolongada e outros sinais inflamatórios.
- Doenças Metabólicas e Hematológicas: Condições como raquitismo ou anemia falciforme podem causar dor óssea, mas geralmente são acompanhadas por outros sinais e sintomas característicos e alterações em exames laboratoriais.
Condição | Sintomas-Chave que a Diferenciam das Dores de Crescimento |
---|---|
Tumores Ósseos (ex: Osteoma Osteoide) | Dor tipicamente unilateral, progressiva, que não melhora facilmente e pode responder bem a anti-inflamatórios. Sensibilidade óssea localizada no exame. |
Leucemia | Dor óssea difusa, mas acompanhada de sintomas sistêmicos: febre, palidez, fraqueza, hematomas fáceis, aumento de gânglios ou baço. |
Artrite Idiopática Juvenil | Dor e inchaço visível nas articulações, rigidez pela manhã que dura mais de 30 minutos, mancar, calor local. |
Fratura de Estresse | Dor unilateral, localizada em um ponto específico do osso, que piora com a atividade física e melhora com o repouso. |
Infecção Óssea (Osteomielite) | Dor intensa, constante, localizada, com febre alta, vermelhidão, calor na pele e recusa em mover o membro afetado. |
Avaliação Médica: O que Esperar da Consulta?
A avaliação de uma criança com dor recorrente nos membros começa com uma anamnese (história clínica) completa e um exame físico detalhado. O médico fará perguntas específicas sobre as características da dor, os fatores de melhora e piora, a presença de outros sintomas e o histórico familiar.
O exame físico será minucioso, avaliando a marcha da criança, a amplitude de movimento de todas as articulações, a presença de inchaço ou sensibilidade, e procurando por achados em outros sistemas, como pele, gânglios linfáticos e abdômen.
Exames complementares não são rotineiramente necessários se a história e o exame físico forem típicos de dores de crescimento. No entanto, o médico pode solicitá-los se houver qualquer sinal de alerta (“bandeira vermelha”), como:
- Sintomas sistêmicos (febre, perda de peso).
- Dor persistente, progressiva ou unilateral.
- Dor que ocorre durante o dia e limita as atividades.
- Presença de mancar (claudicação).
- Achados anormais no exame físico (inchaço, sensibilidade, etc.).
Nesses casos, exames como hemograma completo, provas de atividade inflamatória (velocidade de hemossedimentação e proteína C reativa) e radiografias simples da área dolorida podem ser solicitados para excluir outras patologias. Um resultado anormal em qualquer um desses testes exclui o diagnóstico de dores de crescimento.
Tratamento e Alívio: O que Fazer em Casa?
O manejo das dores de crescimento é focado no alívio sintomático e na educação da família. O passo mais importante é a tranquilização: explicar aos pais e à criança que a dor, embora real e incômoda, é benigna, não representa uma doença grave e não deixará sequelas.
Durante os episódios de dor, as seguintes medidas podem ser eficazes:
- Massagem: Massagear suavemente os músculos das pernas pode proporcionar alívio imediato.
- Aplicação de Calor: O uso de uma bolsa de água morna ou uma toalha aquecida na área dolorida ajuda a relaxar a musculatura.
- Analgésicos: Medicamentos como paracetamol ou ibuprofeno podem ser usados para aliviar a dor, especialmente quando ela impede o sono. É importante usar a dose correta para o peso da criança e não utilizá-los de forma contínua sem orientação médica.
- Alongamento: Um estudo demonstrou que um programa regular de alongamento dos músculos das pernas (quadríceps e isquiotibiais), realizado duas vezes ao dia, pode reduzir a frequência e a intensidade dos episódios de dor a longo prazo.
É fundamental não restringir as atividades normais da criança. A interrupção de brincadeiras e esportes não previne as dores e pode transformar a dor no foco principal da atenção da criança e da família, gerando ansiedade e hipervigilância.
Técnica | Como Aplicar | Observações |
---|---|---|
Massagem Local | Com as mãos, aplique uma pressão suave e firme nos músculos da coxa e da panturrilha, em movimentos circulares ou de deslizamento. | O contato físico e o carinho associados à massagem têm um forte efeito reconfortante. |
Compressas Mornas | Enrole uma bolsa de água quente ou uma toalha úmida aquecida em um pano seco e aplique na área dolorida por 15-20 minutos. | Nunca aplique calor diretamente na pele para evitar queimaduras. Verifique a temperatura antes. |
Alongamentos | Realize alongamentos suaves dos músculos da frente e de trás da coxa e da panturrilha, mantendo cada posição por 20-30 segundos. | Ideal para ser feito diariamente, pela manhã e antes de dormir, como medida preventiva. |
Analgésicos (se necessário) | Administre paracetamol ou ibuprofeno, seguindo a dose recomendada pelo pediatra de acordo com o peso da criança. | Use pontualmente durante as crises. Se a necessidade for frequente, converse com o médico. |
Perguntas Frequentes
O que são exatamente as dores de crescimento?
São dores musculares benignas e recorrentes nas pernas de crianças, geralmente noturnas, que não são causadas pelo crescimento. O diagnóstico é feito clinicamente após a exclusão de outras doenças. Elas são comuns e desaparecem com o tempo sem deixar sequelas.
Meu filho pode praticar esportes se tiver dores de crescimento?
Sim, absolutamente. Manter uma rotina de atividades físicas normais é recomendado e saudável. As dores de crescimento não são agravadas pela atividade a longo prazo, embora possam aparecer com mais frequência após um dia muito ativo.
Existe algum exame que confirme as dores de crescimento?
Não, não existe um exame específico. O diagnóstico é baseado na história clínica típica e em um exame físico normal. Exames de sangue ou radiografias são solicitados apenas se houver suspeita de outra condição.
Quando devo me preocupar e procurar um médico com urgência?
Procure um médico se a dor for em apenas uma perna, se houver inchaço, vermelhidão ou febre. Também é um sinal de alerta se a criança começar a mancar ou se a dor persistir durante o dia. Esses sintomas não são característicos de dores de crescimento.
As dores de crescimento podem afetar os braços?
Sim, mas é raro que a dor ocorra apenas nos braços. Geralmente, a dor nos membros superiores acontece em conjunto com as dores nas pernas. Dor isolada nos braços, costas ou virilha requer uma investigação mais aprofundada.
Quanto tempo duram as dores de crescimento?
A condição é autolimitada, mas pode durar de um a dois anos, com períodos de melhora e piora. Os episódios de dor são intermitentes, podendo ocorrer por algumas noites e depois desaparecer por semanas ou meses. A maioria das crianças supera a condição no início da adolescência.
Fatores emocionais podem causar as dores?
Não há evidências de que problemas emocionais causem as dores, mas o estresse e a ansiedade podem diminuir o limiar de dor da criança. É importante validar o sentimento da criança e oferecer conforto. A dor é real, não “psicológica” no sentido de ser inventada.
A alimentação pode influenciar nas dores?
Não há uma ligação direta comprovada entre dieta e dores de crescimento. Garantir uma alimentação balanceada, rica em cálcio e vitamina D, é importante para a saúde óssea geral, mas não há evidências de que suplementos específicos previnam ou tratem as dores.
Por que a dor é pior à noite?
A teoria mais aceita é que, durante o dia, a criança está distraída com brincadeiras e atividades. À noite, no silêncio e repouso do quarto, a percepção da dor muscular decorrente da fadiga do dia se torna mais evidente. Além disso, o limiar de dor tende a ser mais baixo durante a noite.
Existe tratamento preventivo para as dores de crescimento?
Sim, a prática regular de exercícios de alongamento para os músculos das pernas pode ajudar a reduzir a frequência dos episódios. Em dias de atividade física muito intensa, uma dose de analgésico ao deitar pode ser considerada, com orientação médica, para prevenir que a dor desperte a criança.
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